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Diário de uma Pesquisadora: Os Desafios e Realidades do Laboratório

Acredito que escrever a primeira página deste "Diário de uma Pesquisadora" no dia 31/08/2024 é, no mínimo, emblemático. E eu vou te explicar por quê.


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Agosto é conhecido por ser um mês interminável — 31 dias que parecem se arrastar, ainda mais depois de um julho igualmente longo. É um mês que, muitas vezes, nos desafia com sua lentidão e monotonia. E, como se já não bastasse, ontem me deparei com um daqueles dias em que, apesar de todo o planejamento, nada saiu como esperado.


Ontem, tudo estava organizado. Meu plano era objetivo: continuar as análises cromatográficas do padrão da minha enzima, coletando dados para construir uma curva de calibração de concentração — uma etapa essencial para o progresso do meu trabalho futuro. Na quinta-feira, o dia foi intenso e exaustivo. Passei horas no laboratório, e, embora tenha chegado em casa às 22h, com uma dor nas costas considerável, fiquei satisfeita por ter obtido a primeira parcela de resultados.


No entanto, a intensidade dos experimentos, combinada com a falta de cuidado com meu próprio corpo (não me alonguei e mantive uma má postura o dia todo), me pegou de jeito. A madrugada foi péssima, marcada por dores musculares e na lombar. Mesmo assim, após tomar meus remédios, consegui descansar o suficiente para enfrentar mais um dia de trabalho.


Sexta-feira: apesar do cansaço, fui até a USP com o intuito de continuar meu cronograma. Mas, para minha surpresa, o equipamento que eu precisava usar começou a alertar sobre uma alta pressão na coluna, o que me impediu de seguir com o trabalho. Sem saber exatamente o que estava causando o problema, decidi seguir o protocolo de limpeza da coluna e do equipamento, e ainda recorri à ajuda de um colega mais experiente.


O resultado? Um dia inteiro dedicado a resolver essa questão técnica. Mais de dez horas de trabalho intenso, completamente perdidas, pois não consegui realizar nada do que havia planejado. O equipamento essencial estava com problemas, e todo o meu dia foi gasto tentando identificá-los e corrigi-los.


Com isso, confesso que muitas coisas passaram pela minha cabeça:


  • Desistir: Sinceramente, foi a primeira coisa que me ocorreu. Apesar de ser pesquisadora, por incrível que pareça, às vezes esqueço que sou humana — que sou, e me sinto, falível.

  • O quão subestimado é o nosso trabalho: Enquanto resolvia os problemas com meus colegas, durante nossas conversas, percebi o quanto nosso trabalho é desdenhado por quem vê de fora. Quantas vezes já ouvi: "Ah, mas você só estuda, né?"


E é sobre esses dois tópicos que quero refletir hoje.


"Você, pesquisador, só estuda."


Qual pesquisador nunca ouviu essa afirmação? Se ainda não ouviu, ou está no início dos estudos ou tem muita sorte com as pessoas ao seu redor.


Tudo bem, de acordo com a PROPESQ/UFSC:

Pesquisador é a pessoa que realiza um trabalho de investigação, seja para desenvolver ou aprimorar um novo conhecimento, descobrir uma nova tecnologia, encontrar a solução de algum problema ou para o próprio aprendizado.

Essa definição pode ser confusa para quem não está em contato direto com o nosso trabalho. A investigação que realizamos — de processos e efeitos — vai muito além de colocar uma amostra em um equipamento X, ler o resultado na tela do computador e, então, "ter a resposta".


Nós, alunos da pós-graduação stricto sensu, estamos sim estudando e aprendendo, mas isso não significa que nosso trabalho se resume a leituras (que, por si só, já são intensas). Somos resolutores de problemas. Durante a pós-graduação, passamos por provações constantes.


Lembro da primeira vez que precisei trocar o adaptador da centrífuga. Nós literalmente usamos uma chave para desrosquear o adaptador de metal, e, como a máquina vai girar essa peça, precisamos aplicar uma força absurda para montar e desmontar — e confesso, querido diário, que eu não sou a pessoa mais atlética do mundo, apesar de tentar.


O mesmo aconteceu quando fui filtrar minha solução de proteínas em um equipamento chamado "ultrafiltrador tangencial". Ele é todo de metal, e temos que encaixar a membrana de forma tão justa que é necessário apertar as porcas, que são bem grossas, com uma força considerável.


"Ah, mas trabalho braçal faz parte de todo trabalho." Exatamente, e também faz parte do nosso. E não realizamos os experimentos apenas uma vez. Temos algo que chamamos de "triplicata", onde repetimos o experimento pelo menos três vezes para garantir que não houve erro — ou que ele não tenha sido tão significativo.


E aqui entra outra questão: nunca são apenas três vezes. O motivo? Quando estamos aprendendo uma técnica, sempre há muitas variáveis que podem interferir no resultado, e pode ser qualquer coisa: temperatura, solvente (como água, base ou ácido), o pH da solução, a própria manipulação humana (o famoso erro humano), algum parâmetro inserido incorretamente no equipamento, entre outras inúmeras coisas.


Nunca são apenas três vezes.


Na quinta-feira, analisei a mesma amostra diluída duas vezes com o equipamento. Sabe quanto tempo levou? Pelo menos duas horas e meia para cada uma. E enquanto o equipamento fazia seu trabalho, eu estava analisando essas mesmas amostras em outros equipamentos e fazendo cálculos baseados nos conceitos que expliquei aqui no blog.


Pensa comigo: três equipamentos ao mesmo tempo, duas amostras, em no mínimo triplicata. Foram realizadas mais de 40 análises em um só dia. E esses resultados são números. E, para cada um desses 40 números obtidos, foram realizadas cerca de quatro operações matemáticas. Ou seja, no mínimo, 160 operações matemáticas, envolvendo os conceitos de:


  • Espectrofotometria;

  • Molaridade;

  • Conversão de Unidades;

  • Porcentagem;

  • Regras de 3;

  • Cálculos de Diluição;

  • Construção de Gráficos e Equações Lineares;

  • Análises Estatísticas;


E muito mais.


O objetivo desta primeira parte, querido diário, não é desencorajar ninguém a seguir a carreira acadêmica, muito pelo contrário. Nosso trabalho é complicado e árduo, e vão ter momentos em que vamos querer desistir. Mas é um trabalho semelhante a todos os outros. Temos nossos momentos bons e ruins.


Aceitar que a jornada tem seus desafios e que nem sempre tudo sairá como planejado faz parte do crescimento, tanto pessoal quanto profissional. Cada dia no laboratório, mesmo aqueles em que nada parece dar certo, é uma oportunidade de aprender, ajustar a rota, e seguir em frente com mais resiliência.


E é exatamente isso que nos torna únicos como pesquisadores: a capacidade de enfrentar os obstáculos, não com uma determinação inabalável, mas com a consciência de que errar, falhar e recomeçar faz parte do processo.


No fim, a satisfação de uma descoberta, de um experimento bem-sucedido, é o que nos move e dá sentido a todo o esforço.


Até a proxima, querido diário.



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